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| Siddharta de Angeli Preljocaj foto de Anne Deniau |   |   | 
A imagem codificada tem peso de lei, sua força representacional é 
cristalizada nesta aparência imagética, para que esta aparência sirva 
como modelo estrutural na codificação desta imagem em outros corpos. 
Esta codificação, portanto, não se dá como efeito de linguagem - que 
relaciona gestos e afetos - mas por agenciamento orgânico, isto é, como 
recurso funcional que opera a articulação das imagens, mediante uma 
determinação registrada como código idealizado.

 Esta codificação é resultado da necessidade de um intelecto faminto por 
sentidos, que reduz uma experiência a imagens, para que a ação possa ser
 conhecida, mesmo que de forma unilateral (JUNG). Todavia, esta 
racionalização abstrai a corporeidade, negando a consciência real que se
 faz no corpo.
Para Nietzsche, a primeira consciência do homem é corporal, é a partir 
dela que o homem constrói sua realidade. Prescindir desta dimensão é 
alienar-se da corporeidade (SOARES). Nesta dimensão de alienação, a 
imagem é uma reconstrução oca, seduzida por sua própria aparência, e só 
retomada devido à atração instigante desta aparência idealizada.
 
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| Vadim Stein Photography | 
Os ideais de beleza são exemplos desta aparência instigante, que se 
sustentam a partir de convenções ditadas socialmente, e que reverberam 
em nós, como imperativos que tentam determinar nossa visão de mundo, 
como se a imaginação pudesse ser subvertida por este imperialismo 
alienante. Para tanto, a sociedade reproduz pré-concepções e 
discriminações que de tão intensas, já não estão do lado de fora - no 
social - mas também dentro do corpo, como um desejo pulsante, que anseia
 pela imagem ideal.  
O individuo passa a perseguir estes ideais e recebê-los como seus, para a
 fortificação da ditadura de uma imagem, que faz uso do corpo para 
acentuar o processo de descorporificação, tão intensamente promovido na 
sociedade icônica1. Esta descorporificação se alastra corroendo os 
sentidos, para a promoção do suporte real da imagem, como se a imagem 
pudesse se sustentar sem substancialidade, só por sua aparência e 
sedução estrutural. 
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| Ivan Vasiliev. | 
O ônus desta perseguição alienada maltrata o corpo e, não raro, o leva a
 afecções patológicas, como a bulemia, a anorexia e uma infinidade de 
outros distúrbios de origem nervosa - além de outras disfunções físicas e
 psicológicas - que mortificam a carne, em função desta busca alienada. A
 alienação ofusca o olhar com a promessa de um ideal possível, impresso 
numa imagem eleita. 
O corpo da imagem se hipertrofia de tal forma, que os efeitos desta 
imagem no corpo tendem a ser oclusivos, isto é eles tendem a fechar 
outros canais perceptivos, para que o corpo opere somente neste nível de
 percepção, preocupado com a imagem ideal e com a capacidade funcional 
do corpo em produzir tais imagens determinadas no âmbito social. 
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| Nacho Kamenov | 
Sob este olhar, o corpo é visto como máquina e o seu fazer se reduz à 
execução de ordens não próprias do corpo, mas nele instaladas, para o 
funcionamento de algo maior que tenta subjugá-lo. Nesta perspectiva, os 
fazeres humanos só se justificam se fazem função a algo. 
No entanto, esta visão funcionalista não explica plenamente a existência
 humana, nem poderia, do contrário não haveria homens, nem mulheres, mas
 autômatos e mesmo assim, é preciso a ação de uma mente criativa, não 
plenamente funcional e determinada, mas, antes disto, inventiva e 
espontânea que possibilite a existência deste artifício.
O corpo, portanto, se relaciona com o real não só em função de algo, mas
 como movimento original de recriação deste algo. É neste movimento que 
nasce a experimentação estética como possibilidade de re-construção da 
imagem no corpo, para que a imagem não faça função a algo, mas seja um 
fim em si mesma. Este fim se realiza a cada nova insurreição criativa, a
 cada nova possibilidade tornada evento concreto.